sobre a escola - Noruega e Portugal
Pergunto-me se vozes vindas das escolas pertencem sempre aos professores. Eu sou aluno do último ano do secundário numa escola norueguesa – uma experiência de um ano, após 11 anos de escola em Portugal – e sou filho de uma professora de matemática do 2º ciclo que sente a sua profissão a 100% e a traz muitas vezes para casa, discutindo as novas reformas e as que estão por fazer, os casos pessoais de alunos que precisam de ajuda, procurando sempre novas ideias para pôr em prática e para tentar catalisar os interesses dos estudantes para a matemática – utilizando, para além dos livros, de jogos, truques de magia, representacões teatrais, etc. Considero que tenho assim uma perspectiva singular sobre a educação em Portugal, especialmente em comparação com a Noruega (que é, afinal, o 1º país do ranking da ONU), e é por isso que escrevo – e porque sou também uma voz dentro da escola.
Já li aí que a obrigatoriedade do ensino faz com que alunos "incorrigíveis" tenham que permanecer na escola até aos 16 anos; mas eles não são "incorrigíveis". Uma diferença substancial entre Portugal e a Noruega, é verdade, é que aqui 98% da população pertence à classe média, o que significa geralmente que tem boas condições de estudo em casa. As condições em que o estudante vive, os pais, o ambiente familiar, são extremamente importantes para a educação de um aluno - a educa ção não passa simplesmente pelos programas educativos e pelos professores, mas por um desenvolvimento social a todos os níveis. Ainda assim é mais que provável que Saramago tenha razão quando diz que ler e gostar não é para todos. E gostar de matemática também não é para todos. E é difícil mudar alunos que, por uma razão ou outra, foram "desviados". Mas é possível, e é dever de todo o professor acreditar nisso. Toda a criança e adolescente tem ou deve ter o direito de estudar e de ter professores que acreditem nele, custe o que custar.
Nem tudo é perfeito na Noruega. Durante os primeiros 10 anos de escolaridade, todos os alunos passam, independentemente das notas. É fonte de uma certa preguiça – aos 14 anos eu estudava muito mais que o meu irmão de acolhimento que tem precisamente essa idade, que apesar de tudo tem boas notas. Toda a gente da minha turma estudava muito mais. Mas apesar de tudo não se ouvem muitas críticas por aqui. É assim que é. E essa é uma diferença fundamental entre os dois sistemas de ensino: em Portugal as reformas, aqui ou ali, chegam demasiadas vezes. Imaginem o dinheiro que se pouparia em manuais escolares se ainda púdessemos usufruir dos de há dez, quinze anos anos atrás (por exemplo, os alunos podiam vender os livros mais baratos em segunda mão, como aqui na Noruega) – mas não, os programas estão sempre a mudar, recuam e depois voltam a ter o mesmo conteúdo. Aparecem provas de afericão de que os alunos ignoram o objectivo, exames para o 9º e 6º anos, os tempos escolares passam de 50 para 45 minutos, mas os blocos de 90 minutos não têm intervalos no meio, os programas são completamente modificados – eu faco parte de um ano de transicão em que tínhamos o horário do ano anterior mas o programa do ano seguinte. Em Portugal tudo está em perfeita mutação. Não existem, pelo mundo fora, sistemas de educação perfeitos. Existem sistemas de educação que dão os seus frutos após algum tempo, que precisam de aprender com os erros e que se vão refinando. Eu senti-me, muitas vezes, genuinamente confuso com estas mudancas abruptas na educacão em Portugal.
Por fim, realço outro pormenor: na Noruega as escolas têm muito mais independência em relação ao Estado, por exemplo no que respeita à capacidade de decidir sobre o pessoal docente. De despedir e contratar. Em Portugal os professores são colocados. Nos milhares de professores desempregados existem muitos com mais qualidade dos que estão colocados. Não existe um sistema de avaliação eficaz dos professores; eles entram com a ajuda da nota do estágio, por exemplo, que depende muito do supervisor que arranjaram. E o outro factor que conta é a idade e o tempo de ensino. O que deixa os jovens no desemprego. Esse não é o maior problema para os estudantes – o mais problemático é que alguns deles são melhores dos que os que estão na escola. Porque na escola existem muitos professores "piores do que estudantes", que muitas vezes faltam às aulas e que fazem pouco mais do que recitar a matéria. Mas também existem muitos que gostam do que fazem, e que se esforcam pelos seus alunos – e esses, acredito, querem ser avaliados, querem a sua própria avaliacão.
Podia escrever mais, mas talvez já tenha dito demais, por isso concluo apenas que ser professor não é fácil, e não é aceitar apenas ter alunos que estudam muito e não têm problemas, mas aceitá-los a todos.
Publicado como comentário aqui.
7 Comments:
Bom, devo-te dizer que partilho de muitas das tuas opiniões. Penso que o teu artigo está muito ponderado. Devo-te dizer que tenho 3 irmãos professores e como tal, o ensino é sempre um assunto não pacifico. Não fosse ele da maior importância.
Sempre a pensar...
http://maistopas.blogspot.com/
Ora aqui está um testemunho "Em directo", algo a que o ME Português devia andar mais atento, incentivar e dele retirar quiçá ensinamentos.
Ao que julgo saber, houve tempos em que a própria (e hoje rica) Noruega promovia o envio dos seus estudantes para o estrangeiro, mas fazia-o duma forma controlada. E, no regresso, por exemplo, pedia-lhes relatórios dessas experiências, neles procurando lições e exemplos a seguir... Mas, em Portugal, temos uma "vantagem": parece que todos "nascemos já ensiandos" e, talvez por isso, menosprezamos a sabedoria alheia.
Bem Hajas!
Então... nada de postar?
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