o pior dos passeios

Chegou uma encomenda de Portugal. Eu quero mesmo receber o que lá vem dentro. Além disso precisava de levantar dinheiro. Vai daí decido-me a arrancar por essa estrada fora. A pé claro, que não sei conduzir nem poderia conduzir ainda que soubesse. Vestia longs - uma espécie de collants sem pés que ajudam bastante a aquecer -, o meu casaco de inverno, o gorro e as luvas. Mas aquele não era um dia qualquer. Aquele foi o dia mais tempestuosamente frio com que alguma vez me deparei. Estavam cerca de -13° C, e embora até já se tenham verificado temperaturas inferiores desde de que aqui cheguei, o dia estava particularmente ventoso. Vai daí a temperatura que se sentia era aproximadamente -26° C. Sim, é frio. Muito frio. Agora que penso nisso, não me lembro de ver mais ninguém na rua.

Assim decido-me a correr em vez de andar, enquanto contorço desesperadamente a minha face, tentando evitar o congelamento da mesma - inutilmente... E, à medida que me aproximo dos correios, decido então pôr as mãos aos bolos, tirar o passaporte, Sim, está aqui, tirar o papel para levantamento da encomenda,... merda...

Sim, o grande propósito do passeio foi esquecido em casa. Decido então ir à caixa multibanco. Coloco o valor que quero tirar, ainda a pensar em como fui estúpido o suficiente para esquecer o papel em casa. Com as minhas mãos positivamente a tremer, porque as minhas luvas não tinham dedos e eu tive que as retirar, coloquei o valor de dinheiro que deveria levantar. Só que o valor que coloquei não era o que eu deveria levantar. Com pouca experiência em caixas multibanco, um cérebro congelado e palavras norueguesas nos botões, decidi carregar no Avbrypt, ou seja, cancelei a operação. O cartão saiu, mas eu queria-o dentro da máquina outra vez, por isso pressionei-o rapidamente. A máquina não engoliu o bicho. Eu olhei para o ecrã e reparei no problema, Please, remove your card. Faen. Tentei tirá-lo, mas já estava demasiado dentro da máquina. Tentei pô-lo lá dentro, mas a máquina, intransigente, recusava-se a comê-lo. Sem saber bem o que fazer procurei por ajuda - está claro que em Portugal não o faria, arriscando o meu cartão multibanco, mas na Noruega não há problema... -, mas, como já disse, as ruas estavam desertas. Claro que estavam. Só os loucos é que andavam na rua com este frio. Os loucos por este sítio têm um nome, e esse nome é o meu nome, para ser preciso. Desesperado ouvi finalmente a máquina emitir uma série de apitos e depois, finalmente, alimentar-se do meu cartão e vomitar um papel, Your card has been retained. No dia seguinte já o cartão tinha sido enviado para a Visa o destruir...

Voltando a casa, tentando conter o riso sarcástico com que me gozava a mim mesmo, vim pelo atalho. Não fui até ao banco e aos correios pelo atalho, porque tinha que descer uma rampa e as estradas estavam cobertas de gelo. Na volta achei, porém, que já não havia muito a perder. Tinha as luvas no bolso do casaco quando subi a rampa. E no bolso do casaco ficaram quando escorreguei e precisei das mãos para me amparar. Mãos que tocaram o gelo. E o gelo, meus amigos, é uma coisa muito, muito fria, principalmente num dai de -13° C.

A única coisa boa deste tipo de coisas más são as gargalhadas que se dão depois.